O arrulho das pombas anuncia o poleiro de concreto, enquanto que o canto tímido dos pássaros evidencia a sombra de algumas árvores que restaram na cidade. E eu só percebi isso quando estava na fronteira entre essas duas realidades.
Num fim de tarde, estava tomando um suco na lanchonete da Pinacoteca. O prédio de tijolos, construído quando São Paulo possuía muito mais árvores que hoje, avizinha-se do que restou da antiga floresta, hoje conhecida como Parque da Luz. Ali, paramos para observar o canto dos pássaros, que, nessa cidade, onde quem costuma cantar são as buzinas, quase não se faz presente.
O voo de um pássaro guiou o meu olhar e levou-me aos tijolos do prédio, onde percebi uma outra fauna. Entre os vãos da Pinacoteca, pombas preferiam a construção urbana aos poleiros das árvores do parque, onde predominavam os passarinhos. E me dei conta que em São Paulo existem muito mais pombas que passarinhos, justamente porque as árvores da cidade cedem lugar, cada vez mais, aos poleiros de concreto.
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A minha avó morava num prédio onde havia um pequeno beiral na janela da sala. Para os meus olhos infantis, aquele beiral era como que uma pequena floresta, onde eu me aventurava num mundo desconhecido. Entre samambaias e miúdos pés de manjericão, a exuberante fauna era composta por formigas e, principalmente, pombas que, com seus arrulhos insistentes, não deixavam eu acordar depois das oito.
Foi durante essas aventuras que, numa manhã chuvosa, descobri alguns ovos de pombos no beiral. Acostumado a comer gemadas preparadas pela minha avó no café da manhã, não resisti àqueles ovos que pareciam ter sido entregues sob encomenda. Coletei os ovos e,quando já me preparava para abri-los na cozinha, fui repreendido pela minha avó, que, durante o sermão, me alertara sobre os perigos que aqueles pombos sujos representavam. Desde aquele dia, os pombos passaram de espécies da fauna a invasores do meu beiral.
Escrito em parceria com Jackline Almeida
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