sexta-feira, 14 de maio de 2010

Musseques e arranha-céus na capital de Angola

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Havia dez anos desde o meu retorno de Luanda quando a sangrenta guerra civil angolana chegou ao fim, com o assassinato de Jonas Savimbi, líder da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), ocorrido no dia 22 de fevereiro de 2002, na província de Moxico. Durante quatro anos, quando adolescente, fui testemunha dos vôos rasantes dos "MIG" russos sobre a cidade, dos mutilados pelas minas terrestres "zungando" pelas ruas e de outros fatos igualmente detestáveis que misturavam-se, contraditoriamente, com a simpatia do povo, com a rica cultura angolana, enfim, com o país encantador que inspirou as palavras de Agostinho Neto e Onjaki, entre outros escritores angolanos. Afinal, a guerra era um triste episódio no contexto de um lugar repleto de bons ensinamentos.

Com o término da extensa guerra civil, a paz, finalmente, seria algo tangível no cotidiano do povo angolano. Entretanto, o sangue derramado pelos conflitos bélicos deu lugar às mortes causadas pela perversidade do capital. Uma nova guerra iniciou-se nas ruas de Luanda e em outros pontos de Angola, desta vez motivada pelo crescente abandono dos empobrecidos, intensificado desde o fim da guerra fria e reforçado com a entrada maciça de capital estrangeiro, sob a égide de uma paz inventada para atrair investimentos privados.

Aglomeração de carros na Avenida dos Combatentes, em Luanda. Cada vez mais automóveis particulares ocupam as ruas da cidade, denunciando a crescente produção de riqueza vivenciada no país, em especial no pós-guerra civil angolana. O transporte público - vans azuis denomindas "candongas" - é precário e irregular.

Enquanto a quase totalidade da população está condenada a viver em musseques miseráveis - casas precárias desprovidas de infraestruturas básicas - sem energia elétrica, carentes de saneamento básico, alimentação, saúde, enfim, destituídos das condições elementares de sobrevivência, arranha-céus são erguidos exaustivamente na vizinhança, evidenciando a expressiva quantidade de dinheiro em circulação no país.

O discurso que referenda a vizinhança entre musseques e arranha-céus é o mesmo utilizado nos demais países empobrecidos do mundo e, quiçá, provém dos mesmos grupos econômicos atuantes nestes. Os lugares são selecionados e apropriados pelo capital segundo uma lógica atroz, tão letal quanto as mais cruéis guerras armadas. Angola vive hoje uma guerra silenciosa, camuflada pelo discurso apaziguador das elites e fundada na globalização que está em curso no atual momento histórico. "Bwamoxi twondo banga ibaku ya mbote" - juntos, faremos criações boas - no idioma falado em boa parte dos musseques, no lugar onde reside a esperança da invenção de um outro país.

1 comentários:

Mana Minga - O Blogue! disse...

Isso Adriano!

Mais um artigo cheio de realismo e sentimento. Esta tem sido a marca registrada de seus artigos. Recheando de verdades e nos remetendo a sensações de nostalgia dos tempos em que tudo parecia lindo, apesar dos "rumores" de guerras, tens mostrado um outro lado que poucos notam...

Pena que meu povo e eu constinuamos sofrendo em beneficio de uma elite que pouco a pouco vende a nossa dignidade com os barris de petróleo como se fosse promoção de shopping: " Compre um e leve dois!"

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