sábado, 4 de setembro de 2010

A LUANDA DOS RICOS

sábado, 4 de setembro de 2010
 Miséria e riqueza convivem lado a lado na capital angolana. E com muros bem altos.

Por José Viriato
Correspondente do Geocidade em Luanda, capital de Angola.

Musseques, espécie de favela, em Luanda, capital de Angola. Ao fundo, no horizonte, os imponentes prédios de Talatona, bairro nobre da cidade.
Mesmo no auge da crise econômica mundial, Angola contava com um franco desenvolvimento do mercado imobiliário, com facilidades fiscais, vistos de trabalho para interessados, e o imposto aduaneiro mais baixo do mundo, criadas pelo governo com a intenção de atrair o investimento estrangeiro e desenvolver os mais variados sectores da economia do país.

Neste ritmo, com alguns anos de antecedência, nascia num descampado de milhares de metros quadrados o projecto de um novo bairro nobre, que visava dar à Luanda um novo cartão de visita: O Bairro Talatona, na nova cidade de Luanda-Sul.

O projecto inicial contava com a requalificação das estradas principais do município da Samba, com destaque para a Avenida da Samba que faz a ligação com o bairro do Morro bento, Futungo, Futungo de Bellas e Benfica; tudo localizado a sul de Luanda.

Hoje, passados alguns anos, Luanda-Sul ergue-se imponente, com um estilo arquitectonico moderno, com edifícios majestosos que maravilham os olhos de quem por lá passa, representado pelo maior e mais recente bairro nobre de Luanda, Talatona, equipado com um Shopping Center, o Bellas Shopping, O Bellas Business Park, Universidades, a SIAC (Centro Integrado de Apoio ao Cidadão) com representações de vários departamentos de todos os ministérios, estações de Destribuição de Energia e Água, praças, largos e parques; onde o estilo arquiectónico dos condomínios são de deixar boqueaberto qualquer um, arriscando até mesmo um “fio de baba” escorrer da boca! Conta também com um tráfego rodoviário significativo, já que serve de via alternativa para quem se desloca do Benfica à “Luanda Velha” (passarei a designar Luanda Velha a parte antiga da capital, onde se localizam as estruturas do estado como os ministérios, a parte baixa e alta da cidade actual).

Até aqui, tudo bem. Agora começam os problemas que realmente tornam O Talatona em Luanda-Sul o bairro fantasma!

Especulação Imobiliária
Muitos dizem que o problema da especulação imobiliária em Angola, especialmente em Luanda, começou por causa do bairro Talatona. Bairro nobre, recheado de condomínios fechados, com casas orçadas de 300 mil Dólares (528.270,00 Reais) a 3 milhões de Dólares (5.282.700,00 Reais), num país onde o salário mínimo nacional é de 86,5 Dólares (151,53 Reais), segundo o comunicado do MAPESS (Ministério da Administração Pública, Emprego e Segurança Social) e o custo de vida em Luanda é o terceiro mais alto do mundo, só perdendo para New York e Tokyo.

Quem realmente vive em Talatona?
Só os ricos, novos ricos e estrangeiros podem realmente comprar, já que o pacato cidadão funcionário público que não ocupa um cargo de chefia, (e portanto, não pode desviar ou “pedir emprestado” algo como uns míseros “milhõezinhos” para encher o cofrinho) nem em vinte anos de salário mínimo vai comprar uma casa ou apartamento T3 ou T4 neste bairro. Como resultado, 60% das casas e apartamentos neste bairro, ainda estão às moscas, mesmo que muito desses 60% de casas e apartamentos já tenham donos.
Tirando os moradores do bairro Benfica, Morro bento e muito boa gente que sai de Luanda Velha à Luanda-Sul pra pegar aquele cineminha a fim de curtir aquela estreia de Twilight – O Eclipse (odiei esse filme!), ou passar o final de semana na casinha de condominio fechado pra curtir um banho de piscina (com praia a menos de 1 kilómetro de distância!) poucos realmente habitam neste bairro nobre que se mostra como cartão postal da nova cidade.

Enfim... A cidade Fantasma! 
Apesar de durante o dia, Talatona e boa parte de Luanda-Sul ser bem movimentada, a noite a cidade se transforma num cenário de filme de terror, onde você se vê no meio de ruas largas, desertas, meio escuras, com as lâmpadas dos postes de energia eléctrica piscando; sem falar dos edifícios ainda em construção assumindo formas de girafa, dinossauro, king kong e tudo mais que sua mente fértil poder imaginar.

As árvores escassas ajudam no cenário de desolação, onde não se vê nem alma penada circulando pelas ruas, sentadas nos bancos das pracetas e largos e os carros passam a velocidades acima de 100 Km/h, já que nem adianta ter semáforos porque ninguém atravessa a estrada!
Avenida no bairro de Talatona. Não há árvores, tampouco pessoas caminhando. Apenas carros circulam em alta velocidade.
 Meia cidade fica às escuras, ao passo que outra metade, onde “supostamente” tem gente, permanece iluminada. O shopping Center está quase sempre apinhado de gente, já que para os moradores de Talatona, este é o único local próximo onde se pode achar um pouco de distração, assistindo filmes, enganando o estômago ou ainda engordando a vista com os produtos expostos nas vitrines das lojas a preços de matar sogra! Haja bolso que aguente tanta facada!!!

Onde pára a gente de Talatona?
Para responder de forma simples e directa, a gente de Talatona pára mesmo é em Luanda Velha, onde a cidade não dorme aos finais de semana, desde o bairro pobre lá nos confins da cidade passando pela baixa, centro até a parte Alta.

As estradas sempre em movimento, na baixa de Luanda, a Ilha de Luanda apresenta-se sempre cheia tanto de banhistas como de Jovens e não tão jovens, trajados a rigor pra “caír na noite” nos bares, pub’s e discotecas (clubes nocturnos). Restaurantes cheios, Praça da independência apinhada de jovens casais aos beijos e aqueles que na impossibilidade de frequentarem um bom ginásio, aproveitam as alteres, manguitos e barras paralelas, para cultivar os músculos com a clara intenção de ficarem Caenxe (sarados).

No bairro pobre, o “tchilo”(do verbo angolano “tchilar” que significa, farrar, festejar, relaxar em companhia de amigos e parentes) começa no fim da tarde com a grande sentada dos mais velhos, em frente a porta da casa da tia Chica, recordando os bons tempos numa conversa acalorada, com bué(muita) de cerveja, churrasco, pincho de porco (pedaços carne de porco no espeto, assados a carvão e temperados com cebola em rodela, pimenta malagueta, sal a gosto, vinagre e óleo vegetal), cachorro quente e “motorola”(coxa de frango frito, acompanhado com pão, repolho picado, ketchup mostarda e maionese) à mistura. Na rua, Dj’s amadores controlam a música no bairro tocando Kuduro, levando crianças e adolescentes a disputar quem dança melhor.

À noitinha, no quintal do “Mankilas”, damas e cavalheiros trajados a rigor pra riscar a pista de dança e exibir toques refinados da boa kizomba de Yola Semedo, Heavy C, Konde, Pérola e tantos outros; o bom Semba do Kota Bonga, Hélvio, Paulo Flores, Elias Diakimuezo, Yuri da Cunha, Armanda, Carlos Burity, Rei Helder, “O Proletário”, enfim; e mais lá na madrugada, quando a finúria já não é importante, visto que a primeira impressão já foi deixada, as mulheres descalçam os sapatos de salto alto, deixam os tiques de lado e dançam do bom Kuduro com toda mestria, gritando o tradicional “ Ou nos matam... ou quê!!!”, ao som das músicas de Xtrubantú, Puto Lilas, Vagabanda, “Os mais Potentes”, Nakobeta, Noite e Dia, Própria Lixa, Bruno M, Puto Prata, Saborosa, Fofandó e outros; sem esquecer o bom Funk brasileiro!!!
Já pelas três horas da madrugada, a polícia chega para por fim a barulhada lá no bairro porque aquela vizinha rabugenta, também conhecida por Tia Ngongo, ligou e fez queixa por causa da música alta, alegando que a sogra, que sofre de hipertensão arterial, está doente e não consegue dormir. Grande mentirosa, a inveja mata!!!

E Talatona, o bairro nobre?
Continua lá, aguardando o nascer de um novo dia... sozinha, deserta, carente, no escuro.
 José Viriato, 27, é angolano, professor de Biologia e estudante de Medicina na Universidade de Luanda.

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