sábado, 27 de novembro de 2010

Um mês morando no busão

sábado, 27 de novembro de 2010
Eu, assim como a maioria dos que moram em São Paulo, perdi mais ou menos um mês do meu tempo no trânsito durante esse ano que está quase terminando. Pior do que o tempo perdido é escolher desperdiçá-lo em prol de usar o carro todos os dias. Definitivamente, apesar dos apuros do transporte público, esse não é o meu caso. Apesar disso, pago com o meu tempo pela insanidade dos que preferem acelerar a ler um livro durante os seus deslocamentos urbanos.
Não moro longe do trabalho, mas, mesmo assim, não consigo levar menos de uma hora para chegar. Poderia fazer o trajeto de 20 minutos (sem trânsito, ou seja, jamais) em 50, porém esmagado no 577T-Vila Gomes. Optei, então, por tomar dois ônibus e ir sentado, mesmo que isso me custe 20 minutos a mais. Afinal de contas, sempre achei um absurdo esse faz de conta da lei de trânsito, que multa quem não usa cinto de segurança no carro, mas fecha os olhos para as condições precárias do transporte público, com pessoas não apenas sem o cinto, mas viajando em pé. 
Viajar sentado ameniza, mas não resolve o meu problema. De qualquer jeito, tenho que acordar mais cedo, deixar de correr pela manhã, fazer promessas nunca cumpridas de abandonar de vez essa cidade, ouvir as notícias de sempre sobre os congestionamentos de São Paulo (com tanta coisa mais importante para ser noticiada). Já que os "motoristas" me obrigam a morar um mês no busão (e, em tempo, pagar um aluguel muito caro por isso, cerca de R$ 130 por mês!), procuro usar esse tempo da melhor maneira possível. Esses dias, fiz uma lista - no próprio busão, no caderninho de bolso que sempre me acompanha - de tudo o que carrego na mochila. Não ouso entrar no busão sem o meu Ipod. Pode parecer ridículo, mas isso me poupa ter que ouvir conversas alheias sobre "a fulana que deu para o namorado da sicrana" ou assistir o último capítulo da novela na TV Ônibus. Levo também livro, a revista National Geographic do mês, o já citado caderninho de bolso (para o caso de alguma ideia aleatória ou tentativa de desenho), estojo (com toda a sorte de lápis, canetas e armas brancas) e o meu recém adquirido smartphone (o mais fuleiro de todos), um verdadeiro canivete urbano, com internet, máquina fotográfica, rádio, jogos... Num dia de chuva, quando o trânsito trava de vez, começo a trabalhar dentro do busão mesmo, conectado ao email e ao MSN, Gtalk...
Embora o busão tenha cumprido, a contragosto, o papel da minha cadeira, da minha cama (sim, eu também costumo dormir no busão e, não sei como, acordar sem susto dois pontos antes ou, quando venho do bar, dois depois), da minha baia, da minha cozinha (sempre tem um biscoito na mochila), eu não me comporto como se, de fato, eu estivesse em casa, como fazem alguns. A pior invenção da humanidade, sem dúvida, foi esse celular com caixinha de som embutida. Se já não bastasse tamanha falta de noção, outras invenções apocalípticas se manifestam no tal aparelho, como pagode, sertanejo e funk carioca. Há também quem use o busão como sala de estar, falando alto pra caramba ao celular. Isso para não citar aqueles que, como um cara que conheci, comem marmita no busão! E quando o busão vira igreja, com fiéis tentando aumentar o seu rebanho? Afinal de contas, os tais "usuários" já estão tão acostumados com a privatização do espaço público que assistem pela janela do busão, que parecem não se incomodar com tamanha falta de bom senso. É como se eu estivesse num verdadeiro cortiço ambulante, pagando aluguel e tudo.

1 comentários:

Prosa e Indagação disse...

Pego o bus às 5h, ou seja, horário operário. Achei que ele fosse vazio durante a madrugada, mas engano meu. Detalhe: Cada dia o "passeio" fica mais antropológico. Hj tomei uma bolsada (sim, pessoas humildes tbm estão na moda e usam bolsas grandes) e o bus seguiu ao som de funk (delícia!). Outro dia a mulher quase arrancou meu brinco. Ouvi duas meninas conversando sobre virgindade:
- Ah, minha amiga tem 19 anos e é virgem. Vc sabe q isso é super valorizado entre os homens né?
- Sério. Pq?
- Eles gostam. Eu já tomo remédio...

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