Por Marcelo Fonseca*
Depois de seis edições, a Virada Cultural entra de vez no calendário da cidade. Prova disso é a quantidade de eventos que acontecem em paralelo, aproveitando o fluxo massivo de pessoas ao centro da cidade. Saí de casa - moro na extrema zona sul de São Paulo - com destino ao metrô Penha, onde iria assistir um show fora da programação da Virada, mas que teve seu agendamento programado para coincidir propositalmente com essa data. No ônibus, rumo ao centro, já se percebia o clima “festivo” que toma conta da cidade nesse dia. Pessoas de várias idades, mas principalmente jovens, com os trajes que também identificam o tipo de atração que irão assistir.
Ao descer na Praça da Bandeira, já pude ver, na plataforma de desembarque, pequenos grupos de pessoas esperando outras, como um grande ponto de encontro. Subi as escadas rolantes, que estavam desligadas, passando por pessoas de todo tipo. Ao lado do metrô Anhangabaú, um pequeno palco era rodeado por centenas de pessoas. Tocava James Brown, e todos pareciam muito empolgados, aproveitando como numa autentica festa de rua. Na frente da estação do metrô, repetiu-se a cena do “ponto de encontro”, o que me levou a pensar na necessidade das pessoas em saírem para curtir a noite em grupo, e, por tabela, a quantidade de ambulantes que tentam defender seu troco com vinho “Chapinha” e cerveja barata. Quando embarquei, vi o metrô lotado, como se fossem 18 horas de uma sexta feira; mais um indicativo de que a população das mais variadas regiões comprou a “festa”.
Na Penha, adentrei ao "Kool Metal Fest", festival que privilegia as vertentes mais extremas da música pesada. Em atividade desde de 2003, os organizadores já trouxeram e apresentaram muitas bandas aqui na cidade, mostrando que existe um público para esse segmento e que este também é sedento por novidades. Por mais que o evento esteja fora do calendário “oficial” da Virada, é de se pensar na presença das mais de 2.000 pessoas que enchiam o galpão para ver, além das 3 bandas brasileiras (Western Day, D. E. R. e Violator), as duas internacionais - Suffocation (E.U.A) e Napalm Death (Inglaterra).
Bancando o “flaneur”
Depois de urrar e banguear muito com as bandas, peguei o metrô e segui para a Praça Julio Prestes. Errei a saída e, quando me dei conta, estava no miolo da Crackolândia. Fiquei meio cabreiro ao me deparar com uma cena digna de filme de zumbis. Grupos se amontoavam sob as marquises, onde se via apenas o brilho das pedras de crack em chamas na escuridão. Eles brigavam, se xingavam e falavam frases que não consegui entender. Pareciam assustados com o volume de pessoas que zanzavam por aquelas ruas - vim entender depois que isso não se dava pelas pessoas, mas pelas patrulhas e guardas que estavam sempre rodeando os quarteirões. Pelo menos desta vez, a administração da prefeitura não fez uma faxina, mandando os desvalidos para fora da cidade.
Na praça Julio Prestes, completamente tomada, vi o show do "Living Colour", banda americana que fez muito sucesso por aqui em meados dos anos 90. Os músicos, além de serem super competentes em seu som - uma fusão de heavy metal, funk, jazz fusion, blues e rock -, demonstravam no semblante muita alegria por estarem tocando para um público tão grande. Pessoas se penduravam em muros, beirais, postes e árvores. Mas, além disso, pelo menos de onde eu estava, rolava um astral muito bom, com as pessoas curtindo e se divertindo em plenas 3h45 da manhã, como mostrava o relógio da torre da antiga estação de trem.
Ao sair de casa, eu já tinha pensado em bancar o “flaneur”. Curtir a cidade zanzando por entre as atrações sem sequer saber e sem ver a programação previamente. Depois do fim do show do "Living Colour", segui pela rua dos Andradas, sentido viaduto Santa Efigênia. Parei por um tempo para ver um DJ que apresentava um set voltado ao hip hop americano. Foi completa a transformação de público, que, de mais “múltiplo e diverso”, passou a algo mais específico, com rapazes de cabelo black-power ou usando moletons e roupas largas com boné, além de lindas garotas negras de jeans justo e salto alto. Numa edição que teve o rap “banido” do centro, foi bom ver o público desse estilo musical “tomando a cidade para si”, de alguma forma.
Na rua São João, um palco tocava algumas variantes do reggae para um público bem em sintonia. Como não é o tipo de música que me apetece, logo eu estava caminhando de novo. Na frente do Teatro Municipal, tocava música eletrônica (trance), enquanto projeções eram feitas na fachada do teatro. Casais das mais variadas sexualidades se beijavam na escadaria do municipal e ficavam sentados de mãos dadas. Coisa bonita de se ver. Dali, vi muitas pessoas seguindo pela rua Barão de Itapetininga, sentido praça da República.
O centro, como um todo, era tomado por vagalhões de gente indo e vindo. Obviamente que, com a pouca quantidade de banheiros públicos, homens e mulheres se enfiavam em cantos menos visíveis para fazer suas necessidades. O meio fio era tomado por latas de cerveja, refrigerante, garrafas, copos plásticos. E escrevo isso não por ser paranóico com limpeza, mas porque me peguei pensando na ausência de lixeiras. E como isso facilitaria o trabalho de limpeza posterior e preveniria o uso de tantas “armas potenciais” expostas, como latas e cacos de vidro, em um provável ambiente de tumulto.
Quando me dei conta, o dia já dava sinais de raiar. Segui para o Terminal Bandeira, onde vi alguns bêbados dormindo pelas calçadas e paredes de lojas. Apesar de realmente ter transporte durante a noite toda, a organização esqueceu de avisar que a quantidade não seria a mesma de normalmente. Todos os pontos estavam lotados. Peguei meu ônibus até rápido, porém, vim apinhado com inúmeras pessoas.
Saldo geral
Apesar das falhas de organização, ainda vale a pena sair rumo ao centro e se sentir como que tomando posse dele. Num momento onde, mais e mais, o centro começa a ser apropriado por uma operação de “embranquecimento” capitaneada pela prefeitura, é bom caminhar e ver a cidade com olhos não focados no caminho, mas sim na cidade ao redor. O espaço só tem significado se as pessoas atribuem isso a ele, e, desta forma, com todos os seus erros, é algo que a Virada pode fazer para populações que, normalmente, não estariam ali, e que, nesse dia pelo menos, podem deixar sua casa e se divertirem noutra parte da cidade.
Marcelo Fonseca, 36, é historiador e mestrando em História Oral pela PUC. Escreveu este "post" a convite do blog Geocidade.
Foto: Luis Fernando Gallo
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