"Ikeda, lembra de mim? Sou eu, o Osvaldo. Servimos no quartel juntos", diz o senhor com traços orientais, segurando forte a mão do outrora companheiro de combate que, nessa noite, depois de seis doses de vodka barata, foi encontrado estirado na calçada. O "apenas um bêbado", como foi rotulado por diversos transeuntes, é um senhor grisalho, oriental, com ar e vestes impecáveis e uma sacolinha na mão com três ou quatro maços de cigarro. Seria apenas mais um obstáculo humano na calçada da cidade se não fosse a generosidade das jornalistas Luciana Pioto e Estefani Medeiros, que, no caminho para o ponto de ônibus, encontraram Seu Ikeda deitado no chão, sozinho, de barriga para cima, com um dos braços sob a cabeça, na tentativa de um travesseiro, e as pernas cruzadas. Parecia estar confortável, com os olhos fechados e a respiração tranquila. O celular, jogado ao seu lado, guardava o número do amigo Osvaldo Sato, dentre muitos outros. O sobrenome oriental foi a pista que Luciana encontrou para achar alguém da família. "Osvaldo! Que porra de Osvaldo?! É o meu dentista, porra!", resmunga Seu Ikeda, numa das poucas palavras que proferiu. Em poucos minutos, Osvaldo chega, todo de branco, para reencontrar o colega que parecia não ver há muitos anos.
Seria apenas mais um indivíduo deitado na calçada suja e escura da cidade, um louco qualquer, apenas um bêbado, mas bastou um gesto de solidariedade para encontrar o nome e a história de Seu Ikeda. Quantos outros nomes e histórias estão esquecidos nas ruas por conta da indiferença das pessoas, na cidade onde o outro parece ser apenas um obstáculo.
2 comentários:
A cidade monstro, engole, mastiga e cospe. Não falo apenas da nossa carne, mas de nossas almas mortas todos os dias.
Ótimo (e propício) texto. Chega de viver no piloto automático.
abraço
Seus textos são incriveis!!!!!
*No mês passado eu passei por um homem bebado deitado na calçada...
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