segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A semelhança entre natal e ervilhas

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
Dentre as diversas coisas que detesto, duas me dão vontade de matar: ervilha e natal. Tenho nojo de ervilha. Esse legume só teve alguma utilidade para as leis de Mendel. Hoje, serve apenas para contaminar risotos, saladas e, principalmente, empadas. Tamanha repugnância teve papel decisivo nas minhas habilidades motoras. Separo ervilhas como ninguém. Desenvolvi as mais variadas técnicas para segregar esse asqueroso grão verde da comida. Não tenho a mesma sorte com o natal. Tenho evitado topar com renas e papais noéis com a mesmo empenho que separo ervilhas. Diferente do natal, as ervilhas são previsíveis, povoam geralmente os mesmos pratos (risotos, saladas e empadas, como disse antes). Vez ou outra alguma ervilha errante pode ser encontrada no macarrão, no arroz branco. O natal, ao contrário, ocupa todos os lugares e objetos possíveis, mesmo os mais improváveis. Encontrar um papai noel num shopping center é tão certo quanto achar uma ervilha numa empada. A fatalidade acontece quando somos surpreendidos com uma ervilha no cachorro-quente ou com um papai noel morimbundo pedindo esmola no sinal. O natal contamina a cidade com um falso espírito de solidariedade, ao passo que as boas almas desperdiçam comida na farta ceia e embrulham para presente as mais diversas futilidades. A espuma branca simula a neve do inverno europeu em pleno verão tropical. A gente faminta ganha alguns trocados vestindo a fantasia gorda, vermelha e quente do papai noel, ouvindo sonhos roubados de crianças. O natal ilumina o antes escuro caminho com luzes coloridas, planta pinheiros ao lado de bananeiras. Eu insisto em separar o natal da minha vida, assim como o faço com as ervilhas. Contudo, sinto que nessa época do ano o prato de todos os dias é sopa enlatada de ervilha. Se sobrevivi à sopa verde servida na casa da minha primeira namorada,  no primeiro jantar com a sogra, talvez eu consiga suportar mais esse natal.

1 comentários:

Female Arquitetura disse...

Fico menos estupida quando encontro similaridades com minha personalidade. Adorei seu jeito singular de desenvolver a prosa. David Haven deve estar todo risonho com seus seguidores.
Abraços

Postar um comentário